Por| Hermes Abreu, ofm
“Eu tive um sonho.” Hoje, posso dizer esta mesma frase de Martin Luther King (1929-1968). Meus sonhos, assim como os dele, margeiam à utopia. Ele sonhava “que os filhos dos escravos e os filhos dos escravistas se sentariam à mesa da fraternidade”. O racismo foi e é uma chaga lancinante em nossa sociedade. Além dele, temos outras formas de exclusão. Entre estas manchas, está a crescente discriminação aos irmãos e irmãs que vivem em situação de rua.
Pobres, desvalidos, não moram nas ruas; pois a rua não pode se fazer moradia. São habitantes de lugar nenhum. Em resposta ao fato, está uma série de conjecturas. Teorizam a pobreza. Não em favor do pobre. Definem-no para classificá-lo. Rotulá-lo. Exclusão fundamentada em normas, teorias e teoremas. Chamam-nos de vagabundos, viciados, marginais. Defendem uma teoria do mal essencial e inerente, como podemos ver no filme produzido Michael P. Redbourn, em 1973, na Inglaterra: “A essência da Maldade” (The Creeping Flesh). O mal é como que uma doença a ser extirpada. Acreditam que pessoas em situação de rua são causadoras voluntárias de suas desgraças. Portadoras de um mal, o qual, a sociedade nada fez para existir. Qualquer ideia passiva, que considere a situação em que vivem como fruto de injustiça social, é vista como vitimização. Cabe às cidades eliminar estas pessoas de seu meio, por projetos de higienização social, pelo bem dos cidadãos. Estes não merecem ver e conviver com tamanha miséria. São removidos, expulsos. Misteriosamente, alguns aparecem mortos.

Enquanto isso, na sociedade perfeita, vemos propagandas de um país para os notáveis. Onde não há dor, nem mazelas. Onde uma pandemia que dizimou milhares, é só uma gripezinha. Onde os escravos que vieram comercializados para o Brasil, fizeram-no por livre desejo. Reverso da História, para o reverso do amor.

Tive um sonho. Já o dizia acima. Sonhei com prédios vazios e abandonados se tornando moradia para quem não a tem. Sonhei que empresários fomentavam planos de expansão, projetando o bem estar dos pequenos. Gerando emprego, salário e vida digna aos que necessitam. Sonhei que a saúde se tornou prioridade dos governos e não mais uma forma de comércio. Até mesmo corrupção. Sonhei que não havia mais miseráveis. Havia trabalho, saúde e ensino. Assim, nada justificaria a miséria. Sonhei.
Parece impossível? Pensemos por um teorema. Método infalível. Educação é igual a preparo. Saúde é igual a condições físicas. Somando preparo às condições físicas, temos trabalho. Trabalho digno é igual rendimento, igualmente satisfatório. Com rendimento, temos condições monetárias favoráveis. Pronto! Está resolvido o teorema da miséria. Ah, era só um sonho! Simples de pensar. Difícil de aplicar. Para tanto, faz-se mister mudança. Da ganância à partilha. Da exploração ao cooperativismo. Da desumanidade à humanidade. Impossível. Utopia.
Real mesmo são os valores que vemos defender nos noticiários. Nas propagandas de governo. Normal é queimar toda flora, em detrimento à fauna. Matar, para enriquecer. Torturar, oprimir, calar. Debochar da dor do outro. Negar a sabedoria, por temê-la. E, entre tantas outras barbáries, não nos esqueçamos que são todos cidadãos de bem e cristãos fidedignos.
E as pessoas em situação de rua? Não são lucro. Portanto, não existem. O amor e a solidariedade só subsistem no mundo dos sonhos.
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